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Poder sem poder

Vermelho

Poder sem poder

A vida é simples: basta uma reza e mais uma promessa e já se é bom de novo, com o poder nefasto aflorado pela continuidade

Enquanto passava por um ponto de ônibus, reparei sem querer uma conversava que me fez segurar meus passos largos e rápidos costumeiros. "Naquele tempo era bom, podia-se fazer piadas sobre negros e gays e ninguém ligava", dizia uma pessoa com a voz mais alta, como que se quisesse um palanque ou similar. "Pois é, mas agora tudo é essa frescura", dizia um sujeito mais contido, mas não menos agressivo, um pouco antes de se despedir com: "Deus abençoe, irmão!".

À distância, acompanhei as duas pessoas se transformarem, de um ritmo de deboche a um rito de celebração. Sim, as pessoas se transformam em seu dia-a-dia, seja numa posse ou num cargo, num trocado dado ou numa esmola jogada, e nem sempre se goza da discrição e da boa intenção das relações, que deveria ser a constante, contudo, a ironia é fazer público sua maldade, sob licença de uma liberdade prescritiva. Dessa forma, se vai o afeto escorrendo ao ralo, passando por um esgoto encanado sob os pés, iluminando os trajetos daqueles dois, que tem em suas falas as palavras incontestes do que é correto, pelo menos é o que pressupõem em suas intimidades. As palavras apenas decoram a sujeira das verdadeiras intenções do particular. O fedor e o descaso com as virtudes mais básicas se tornam uma constante, e paulatinamente, as garras se eriçam, os dentes se avolumam e os uivos se ouvem ao longe, sem ao menos precisar de alguma Lua cheia para essas transformações grosseiras. As consciências desses estão límpidas pela certeza fiel de suas crenças, o que torna suas vidas bem simples: basta uma reza e mais uma promessa e já se é bom de novo, com o poder nefasto aflorado pela continuidade e uma leveza típica de quem faz uma luta diária na categoria "peso arroto".

Uma reza simples em uma promessa vazia e já se compra tudo, até uma honestidade travestida de opinião e uma bondade que jamais havia. Meus passos largos e rápidos já se arrependem da mudança de compasso, e lamento estar tão atento com o vil e menos tosco com a rima.

About Luciano Bueno Duran

Escritor e Artista Visual.
Está com o pré-lançamento do primeiro livro, Ico e Eco. 2 Heróis Sem Tesão. Já publicou duas poesias em duas Antologias: 1.001 Poetas Contemporâneos (Poema A Montanha Mágica) e Poemas Marítimos (Poema Carta ao Mar).
Colunista do site UM BLOG QUALQUER onde escreve semanalmente a coluna SUJEITO OCULTO.
Realizou a Exposição de Fotos e Poesia ETERNA BUSCA, no Ateliê Casa da Árvore , em Olinda - PE.

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